JOÃO CARLOS DE ALMEIDA CARVALHO E A SOCIEDADE ARQUEOLÓGICA LUSITANA. BREVE APONTAMENTO. 

Por Joaquina Soares 

Um dos aspectos mais notáveis da personalidade e vida de João Carlos de Almeida Carvalho foi a sua activa participação cidadã e o relevante contributo prestado à História Local. O património arqueológico plasmado na emblemática jazida de Tróia constituiria um tema nuclear da sua investigação sobre o Passado de Setúbal, aliado a uma genuína preocupação em preservar e divulgar esse património através da fundação de um museu. Com tal objectivo, viria a ser criada em Setúbal, no ano de 1849, por Aníbal Alvares da Silva, Manuel da Gama Xaro, Jorge Torlades O`Neill, Sebastião Pedroso Gamito e João Carlos de Almeida Carvalho a Sociedade Archeologica Lusitana (SAL).

Esta primeira associação arqueológica portuguesa iniciou as escavações em Tróia em Maio de 1850, após a celebração, em 1849, de escritura pública de cedência de autorização e regulação de direitos e deveres, com os  proprietários do sítio de Tróia, Francisco Maria Cabral d`Aquino e esposa.

O principal objectivo da SAL era justamente escavar a estação romana de Tróia, para conhecer a forma de vida, economia e política dos habitantes de Caetobriga. Tróia, inscrita no imaginário dos setubalenses desde o Renascimento, graças a André de Resende e a outros eruditos que se lhe seguiram, correspondia à cidade mítica original onde Setúbal tinha forçosamente de buscar as origens. Por outro lado, a Sociedade Arqueológica Lusitana pretendia também impedir o vandalismo e saque a que estavam sujeitas as ruinas, conservar in situ os mosaicos e frescos nos respectivos contextos arquitectónicos,  bem como  obter colecções para um museu e biblioteca especializada a criar em Setúbal.

Foram contratados trabalhadores indiferenciados para os trabalhos de campo; a coordenação esteve a cargo dos “sócios-inspectores” que permaneciam no sítio alternadamente por períodos semanais, em cabanas simples instaladas sobre as dunas. Os trabalhos foram visitados por dois eminentes cientistas: o geólogo e pré-historiador Carlos Ribeiro, em 1858, e Emil Hübner. Porém, a Sociedade Arqueológica Lusitana não recebeu qualquer apoio governamental, nem tão pouco madeira dos pinhais do Estado para a construção dos carris destinados à circulação dos carros manuais que transportavam as areias removidas das áreas em escavação, muito menos ainda a cedência de edifício para instalar os projectados museu e biblioteca.

A partir de 1857, a SAL entra em declínio, sobrevivendo até finais de 1867. Este empreendimento de associativismo científico, verdadeiramente pioneiro a nível nacional, sonhado e concretizado por um núcleo local de personalidades de cultura da classe média e média-alta, teve o apoio de D. Fernando II e de D. Pedro de Sousa Holstein, 1º Duque de Palmela (Presidente inicial da Sociedade), mas falhou os seus objectivos mais significativos por falta de financiamento e apoio governamentais. Podemos tentar encontrar razões para o desinteresse institucional pelo projecto nas mudanças culturais trazidas pelo Romantismo, que passaram a dar especial destaque aos estudos de Pré-história, associados aos de Geologia. O interesse pela cultura clássica, pelo legado romano, mau grado a reconhecida importância de Tróia,  esmorecia. Sem verbas para escavar e editar os Annaes de que se publicaram três números, a Sociedade Arq. Lusitana findou. Seguiram-se sociedades comerciais estrangeiras que espoliaram a jazida, vendendo sobretudo nos países de origem o produto das suas explorações. A congénere Real Associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses, entretanto fundada, realizou, sem êxito, uma derradeira tentativa de reactivar a SAL, chegando mesmo a propor ao Governo o lançamento de uma lotaria extraordinária de 8 000 bilhetes para financiar os seus trabalhos arqueológicos em Tróia.

 

Tróia por Marques da Costa

Fábrica de salga de peixe com poço central - Tróia - Setúbal (ilustração de A. I. Marques da Costa, arqueólogo dos finais do séc. XIX – 1.º quartel do séc. XX).

 

NOTA BIOGRÁFICA DE JOÃO CARLOS DE ALMEIDA CARVALHO

Por Carlos Mouro

João Carlos d’Almeida Carvalho nasceu em Setúbal, a 5 de Março de 1817, num prédio da antiga Rua da Praia (atual Av. Luísa Todi). Recebeu o batismo, a 15 de Março do mesmo ano, na já demolida ermida de S. Sebastião que se ergueu junto à ponte da mesma denominação, ao cimo da rua outrora também conhecida pelo nome daquele mártir (hoje Rua Arronches Junqueiro).

Foram seus pais António Coelho de Carvalho e Ana Rita e Silva Carvalho. Teve por padrinho o avô materno, João Carlos de Almeida Soares e, por madrinha Nossa Senhora, sob a invocação de “Mãe dos Homens”.

A 20 de Junho de 1844, na igreja do extinto Convento dos Paulistas, em Lisboa, casou com sua prima Mariana Inácia Pinto de Carvalho (f.12.5.1884). Desta união nasceriam: Júlia Amélia d’Almeida Carvalho (n. 3.4.1845), Alfredo de Almeida Carvalho (n. 16.2.1847) e Leopoldina Carolina de Almeida Carvalho (n. 8.2.1853).

Participou na fundação da Sociedade Arqueológica Lusitana (1849), a primeira instituição científica do género em Portugal e em cujos Anais colaborou ativamente.

Em 1855, a 13 de Julho, foi nomeado 2.º oficial taquígrafo (estenógrafo) da Câmara dos Pares (Lisboa).

Como militante do Partido Regenerador, tornou-se o pioneiro do periodismo local ao fundar O Setubalense, publicado entre 1 de Julho de 1855 e 27 de Dezembro de 1857 e cujo título ainda perdura.

Pertenceu ao grupo iniciador da primeira agremiação mutualista local, a Associação Setubalense das Classes Laboriosas – grupo posteriormente integrado na ainda existente Associação de Socorros Mútuos Setubalense.

Foi, ainda, proprietário e, mais tarde, como autodidata, conseguiria autorização para exercer advocacia.

Almeida Carvalho notabilizou-se como incansável investigador e compilador de elementos para uma “História setubalense” que projetava escrever. Deve-se-lhe um precioso conjunto de informações recolhidas em arquivos e bibliotecas nacionais. Destaquem-se os apontamentos conseguidos no Arquivo Municipal de Setúbal, os quais assumem hoje particular importância por ter aquele precioso acervo desaparecido no incêndio que deflagrou no edifício dos Paços do Concelho – onde o dito arquivo se encontrava – na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910.

João Carlos d’Almeida Carvalho faleceu em Setúbal, aos 29 dias de Março de 1897.

Carlos Mouro